Portugal tem "condições para se tornar líder mundial na IA"
É literalmente como começar a desenvolver o iPhone 1 quando o mercado já está no iPhone 17

Portugal tem "condições para se tornar líder mundial na IA"
Portugal tem todas as condições para se tornar líder mundial em IA
"Portugal tem todas as condições para se tornar líder mundial em IA" - foi o que o Ministro Gonçalo Matias afirmou no Web Summit 2025. Minutos depois desta venda de banha da cobra, no mesmo palco da MEO Arena, Paddy Cosgrave (fundador da Web Summit) avisava: "A China ganhou o século XXI. Não há competição entre grandes potências. Acabou."
E aqui estamos nós, a falar de 16 mil milhões de euros em investimento para essa tal "liderança mundial", mas com um exemplo bem prático do nosso plano: o Amália LLM. Cinco milhões e meio de euros para criar um modelo com 9 mil milhões de parâmetros.
O ChatGPT-5 tem triliões de parâmetros e custou milhares de milhões de dólares a treinar. O Anthropic Claude, com capacidades semelhantes, evolui rapidamente em versões como o Claude 4.5 Sonnet, superando em benchmarks. Os modelos chineses como o DeepSeek são open source, grátis, e segundo a própria Nvidia "vão ganhar a corrida da IA". O nosso Amália? Nove mil milhões de parâmetros, pronto em 2026, quando os outros já estarão três gerações à frente. É literalmente como começar a desenvolver o iPhone 1 quando o mercado já está no iPhone 17.
Com esses 5,5 milhões de euros podíamos fazer fine-tuning de modelos open-source como o Llama ou Mistral para português de Portugal, criar os melhores datasets em português europeu do mundo, desenvolver aplicações de IA específicas para turismo, energia e saúde, ou treinar centenas de especialistas portugueses em IA aplicada.
Em vez disso, vamos subsidiar 60 empregos em IT e entregar um dia aos nossos alunos uma ferramenta que já nasce obsoleta, gerações atrás da concorrência, com potencial para censura estatal nas escolas, e que nem sequer tem voz em português de Portugal, algo que poderia ajudar a adicionar valor, já que os modelos recentes teimam em "falar" em português do Brasil.
Enquanto o ministro promete "liderança mundial", a realidade da Web Summit mostra-nos robôs humanóides chineses a dominar o pavilhão, modelos de IA chineses gratuitos e open source por todo o lado, já para não falar nos projetos megalómanos da Tesla e do xAI de Elon Musk, incluindo o Grok 4, o Paddy Cosgrave a avisar que a Europa está "condenada sem uma mudança radical", e já com uma Web Summit 2027 agendada na China.
Soberania digital é importante, ninguém duvida disso. Mas isto não é soberania, é ilusão. Portugal tem talento, tem posicionamento geográfico estratégico, tem potencial real. Mas precisamos de deixar o marketing político à lá Computador Magalhães de Sócrates e começar a fazer escolhas inteligentes. Não podemos competir em criar modelos do zero quando não temos os recursos. Podemos competir em aplicações específicas, em datasets de qualidade, em formar talento de topo que depois trabalha em projetos que realmente fazem a diferença.
Acordemos antes que os 16 mil milhões prometidos sigam o mesmo caminho dos 5,5 milhões do Amália.


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